29 Agosto 2019
Os incêndios devoram a floresta tropical, destruindo lentamente um dos pulmões do planeta. A Amazônia está atravessando uma fase crítica: as colunas de densa fumaça que sobem da vegetação tropical são o resultado das chamas que envolveram a mancha verde dos estados brasileiros do Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Pará e do Paraguai. As imagens que circularam de um lado para o outro do globo mostram o efeito de um processo desastroso de desmatamento causado pelo apetite global por carne e soja. Joia da coroa das exportações brasileiras, a demanda por esses produtos levou agricultores e criadores a intensificar a produção, destruindo árvores e plantas da área e removendo as populações locais e indígenas que vivem ali.
A reportagem é de Marco Cimminella, publicada por Business Insider Italy, 28-08-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como explica o Ispra em uma nota, a criação de gado é responsável por 80% do desmatamento em curso: "Uma parte significativa da oferta global de carne bovina, incluindo a maior parte da oferta de carne enlatada na Europa, vem de terras que antes eram a floresta tropical amazônica", esclarece o Instituto Superior de Proteção e Pesquisa Ambiental. O Brasil é, de fato, um dos maiores exportadores do mundo: em 2018 produziu 10,96 milhões de toneladas de carne in natura, destinando 20,12 por cento (2,21 milhões de toneladas) para o mercado externo para atender mais de 100 países com produtos frescos e processados.
Ao mesmo tempo, o gigante sul-americano construiu um próspero negócio de soja, competindo com os Estados Unidos para atender às necessidades da China, o principal comprador internacional. Entre 2016 e 2017, as duas potências do hemisfério ocidental exportaram 83% da soja que entrou no mercado mundial: aquela do norte, vendeu 59 milhões de toneladas, a outra 63. "Durante o período em análise, a China foi o mercado de destino de 61 por cento das exportações de soja dos EUA e 77 por cento daquela brasileira", registra um estudo da USDA (United States Department of Agriculture).
E com o tempo, o estado latino-americano também conseguiu tirar proveito do a guerra comercial que explodiu entre Washington e Pequim. As entregas dos EUA para a China caíram enormemente entre 2018 e 2019, devido às tarifas de 25% impostas pelas autoridades chinesas sobre as importações dos EUA: um ato de retaliação pelos impostos decretados por Donald Trump. Como o professor Ian Sheldon no The Conversation explica, as vendas dos agricultores norte-americanos caíram, em toneladas, 80% em comparação com os três anos anteriores. Assim, o Brasil preencheu esse vazio, aproveitando a crescente demanda asiática.
Vista aérea de uma área de queimadas no estrato de Rondônia – Victor Moriyama / Greenpeace
A fome global desses produtos contribuiu para alimentar o fogo que queima a Amazônia. Na verdade, não é um fenômeno de algumas semanas, mas já dura há tempo. Como lembra o Ispra, este ano foram detectados cerca de 75 mil incêndios até agora: trata-se de um número recorde, quase o dobro em comparação aos eventos registrados no mesmo período de 2018. “O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) observou que em julho foram queimados 225 mil hectares de floresta tropical amazônica, este também um número sem precedentes, três vezes maior que o de julho de 2018".
É necessário um solo adequado para o pastoreio e para estender as plantações: é por isso se é empregada a técnica de "derrubar e queimar" para livrar a terra da vegetação e das pessoas que vivem ali. As árvores são derrubadas entre julho e agosto, deixadas ali para perder umidade e, finalmente, queimadas, com a ideia de que as cinzas possam fertilizar o solo: "Quando a estação chuvosa retorna, a umidade do solo desnudado favorece o desenvolvimento de vegetação nova para o gado", explica Lorenzo Ciccarese, autor da nota do Ispra.
Graças a algumas iniciativas, como a moratória que cria obstáculos à compra de soja de terras sujeitas ao desmatamento, o impacto dessas culturas no solo amazônico foi reduzido, mas o problema básico permanece. Na verdade, um estudo realizado em dezembro 2018 calcula que cerca de 17.500 km2 do Cerrado, a grande savana tropical do Brasil, foi desmatada nos últimos 11 anos para dar lugar a plantações de soja. E o crescimento da demanda chinesa por esse produto poderia incentivar as empresas de zootecnia e agroindustriais a usarem ainda mais a terra.
Queda das exportações de soja dos EUA para a China – The Conversation/Ian Sheldon
A dieta alimentar dos consumidores chineses mudou, cada vez mais o arroz deu lugar a carne de porco e frango, cuja produção cresceu 250% entre 1986 e 2012 (e deveria aumentar mais 30% até 2020). Para alimentar esses animais, o país precisa de enormes quantidades de ração que não tem condições de produzir por conta própria e, portanto, deve necessariamente importar. E desde agora os produtores brasileiros já contam muito com as demandas chinesas: entre 2016 e 2017, produziram 114 milhões de toneladas, exportando 49 para a China: em outras palavras, cerca de 43%, como consta no relatório “Interdependence of China, United States, and Brazil in Soybean Trade".
No lado da carne, ao contrário, o Brasil encerrou 2018 com volumes recordes de exportação: foram entregues cerca de 1,64 milhão de toneladas, 11% a mais que no ano anterior. Isso traduzido em receita, permitiu registrar vendas de US $ 6,75 bilhões (um aumento de 7,9% em relação a 2017). Números que atestam uma posição de liderança, graças a quase 215 milhões de cabeças de gado colocadas em 163 milhões de hectares de terra, explicou Antônio Jorge Camardelli, presidente da Associação Brasileira dos Exportadores de Carne Bovina (Abiec) no estudo "Beef report, brazilian lifestock profile”.
Também nesse caso, o principal destino das vendas externas é a Ásia: Hong Kong e a China receberam a maior fatia do total de exportações brasileiras de carne, respectivamente 24 e 19%. Depois vem o Egito (11%), a União Europeia (7%) e o Chile (7%). Em termos de receita, as cotas mais altas são as relativas à China (22%), Hong Kong (21%) e UE (11%).
Mercado de destino da soja brasileira exportada para o exterior – Abiec
As maiores fazendas estão localizadas nos estados de Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Rondônia, conforme mostrado na tabela abaixo. E justamente em alguns desses estados, atingidos por incêndios, foram registradas as maiores porcentagens de crescimento de cabeças de gado nos últimos dez anos. O Greenpeace ressalta que 75% dos focos de incêndio deste ano ocorreram em regiões que em 2017 estavam cobertas por florestas, depois convertidas em pastagens e áreas agrícolas: "Nos estados de Rondônia e Pará, por exemplo, os incêndios mostram claramente o avanço da agricultura industrial, muitas vezes para dar lugar a pastagens para o gado e plantações, principalmente a soja, destinada à alimentação animal", descreve um comunicado da associação ambientalista.
O Ispra lembra que até agora a Amazônia foi desmatada por mais de 15% em comparação com seu estado inicial: se esse processo de desmatamento ultrapassar o limite de 25%, "não haverá árvores suficientes para manter o equilíbrio do ciclo da água. A região passará por um ponto crítico, evoluindo em direção à savana”.
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É nossa fome de carne e soja a gasolina no fogo da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU